Quando me mudei para os Estados Unidos, considerando como eu levava minha vida até então, o processo de mudança foi meticulosamente planejado. Criei diversos cenários, fiz e refiz cálculos, analisei possibilidades — algo completamente oposto ao meu estilo de vida que eu levava.
Antes, minha vida era apenas um conjunto de reações a decisões das quais me arrependia na manhã seguinte. Vivia entre ressacas e semanas inteiras apagando incêndios que eu mesmo provocava por falta de planejamento e comunicação. Escolhia sempre as opções mais fáceis e padronizadas, enquanto minha mente navegava pelo mar de distrações que eu permitia entrar na minha vida, sem questionar absolutamente nada.
A realidade que se impõe
Ao chegar nos Estados Unidos, todos os meus cenários cuidadosamente calculados não se aproximaram nem um pouco da realidade que enfrentei. Uma coisa, porém, ficou bem clara para mim: mesmo sem ter queimado todas as pontes, voltar para o Brasil não era um problema, mas desistir não constava em nenhum dos meus planos, por mais que nada estivesse acontecendo como eu havia imaginado.
A realidade é especialista em passar rasteiras nos mais detalhados objetivos. Depois de apenas um mês, a ideia de voltar ao Brasil se tornou um pensamento recorrente — retornar ao conforto de uma vida que, de certa forma, já estava encaminhada. Uma vida sem surpresas, onde todos me conheciam e eu dominava meu trabalho.
No Brasil, minha mente funcionava assim: tinha mais opções disponíveis, nas quais eu não era um estrangeiro para escolher e aproveitar. Opções de trabalho, de relacionamentos, de moradia e de projetos. Tinha família e amigos para me distrair, o que me confortava. Eu queria voltar para esse conforto de ter todas as possibilidades à minha disposição.
O retorno e o ciclo das escolhas
Eventualmente voltei ao Brasil, mas não de imediato. Superei a vontade e os pensamentos de desistir, mantendo-me fiel ao plano original de permanecer pelo período planejado. Refletindo sobre essa experiência, percebo que foi um período extremamente enriquecedor. Cresci significativamente e encarei todo o processo como uma grande oportunidade de aprendizado. A energia que seria desperdiçada no desejo de voltar foi convertida em aproveitar cada minuto daquela experiência. Mesmo que nada estivesse acontecendo conforme meus cenários planejados, aproveitei da melhor maneira possível e valorizei cada momento.
De volta ao Brasil, tudo parecia novo. Havia novidades por todos os lados, mas os primeiros meses de empolgação logo passaram. A cidade onde eu morava subitamente pareceu pequena demais. O que aconteceu? Toda aquela euforia do processo de mudança — manter a mente ocupada com o retorno, restabelecer-me, rever amigos e colegas, compartilhar novidades, candidatar-me a empregos, realizar entrevistas, iniciar um novo trabalho — tudo isso acabou.
Algo inesperado ficou evidente: as opções que antes se limitavam à minha cidade natal, onde vivi a vida inteira, agora se expandiram para outros lugares após a experiência de morar fora e explorar outros mundos e culturas. As possibilidades ultrapassaram as fronteiras da minha cidade, estado e país.
Amplitude de oportunidades
Ao combinar minha experiência técnica de anos com o domínio do inglês e a vivência internacional, comecei a desfrutar desse conjunto de habilidades de maneira surpreendente. As empresas demonstravam interesse não apenas pelos meus conhecimentos técnicos, mas também pelas demais competências que desenvolvi nesse processo — principalmente adaptabilidade e flexibilidade. As perguntas eram recorrentes: “Você consegue trabalhar sob pressão? Está disposto a se mudar? Pode se adaptar a uma equipe global?”
Nesse processo, mudei-me de cidade novamente. Toda aquela euforia da mudança, a emoção, as despedidas, a carga de adrenalina e o processo de restabelecimento tomaram conta mais uma vez. Novos ambientes de trabalho, novas pessoas para conhecer, novos lugares para explorar — um universo de surpresas e opções que minha mente adorava. Mantinha-me ocupado resolvendo todos aqueles cenários, conhecendo, explorando, adaptando-me. E, mais uma vez, o que era novidade tornou-se rotina. Tudo passou a ser corriqueiro, e aquela euforia do desconhecido, aquela emoção, deixou de fazer sentido.
O paradoxo das escolhas
Um padrão invisível se estabeleceu, do qual eu não tinha consciência. Devido às inúmeras escolhas disponíveis — novas cidades, novos trabalhos, novas pessoas, novos projetos — meu cérebro entrou no chamado “paradoxo da escolha”. Com mais variáveis de escolha, ficamos mais insatisfeitos com o que escolhemos, pois nosso subconsciente nos sinaliza constantemente sobre as oportunidades que estamos perdendo ao optar por uma única alternativa.
Somado a isso, a cultura consumista nos bombardeia com a ideia de comprar mais, ser mais, ganhar mais dinheiro, acumular experiências, conhecer mais pessoas, visitar mais países, ter o emprego mais interessante — sugerindo que quanto mais opções temos, melhor nos sentiremos e mais felizes seremos.
Com isso em mente, eu seguia um fluxo que muitos conhecemos e replicamos, frequentemente sem perceber. Nos sentimos confortáveis com a sensação de ter todas as opções ao nosso dispor pelo maior tempo possível. Com as opções abertas, não nos enraizamos ou comprometemos integralmente com nada, tornando fácil mudar e escolher uma nova alternativa, eliminando o sentimento de perda. Mantemos as portas abertas para todas as experiências que potencialmente gostaríamos de viver — seja emprego, cidade, casa, relacionamento ou projetos.
O custo da indecisão
Mas a que custo? Quando mantemos nosso leque de opções aberto, doamos um pouco da nossa energia para cada uma daquelas possibilidades. Inicialmente, temos a sensação de estar aproveitando intensamente, podendo pular de uma experiência para outra, de um trabalho para outro, de uma pessoa para outra. Mas contrariando o que acreditamos trazer felicidade, ao focar em tudo ou em todos simultaneamente, não evoluímos profundamente em nada.
Permanecemos com a sensação de dar passos em várias direções sem perceber progresso ou conexão com coisa alguma. Nossa energia se esgota porque a distribuímos entre milhares de experiências. A busca incessante por tudo e todos não gera valor significativo, apenas consome energia.
O poder do comprometimento
Imagine-se livre das preocupações com certificações no LinkedIn, relacionamentos no Instagram ou viagens alheias. Pare de monitorar ofertas de emprego e recuse conversas sobre novos projetos. Dedique-se apenas ao que está à sua frente, entregando seu máximo, com total foco. Consegue sentir a tranquilidade? A paz de não se dispersar entre milhares de possibilidades?
As experiências verdadeiramente transformadoras só surgem quando nos comprometemos exclusivamente com algo por tempo suficiente. Quando rejeitamos opções abertas — por mais atrativas que pareçam — focamos no que realmente pode se tornar excelente.
Ao se comprometer apenas com o que importa, você descobre um novo universo. Sua energia deixa de ser consumida em decisões constantes e passa a alimentar compromissos reais. Sua atenção e foco se direciona ao que tem valor, eliminando o medo de estar perdendo algo, pois você sabe, com tranquilidade, que sua escolha é excelente.
O comprometimento nos leva a objetivos mais profundos e significativos, liberando a energia que seria desperdiçada questionando outras possibilidades. E então, algo extraordinário acontece: você não apenas conserva energia, mas a multiplica, investindo cada vez mais no que realmente possui.
Confiança no trabalho
Você só consegue ganhar respeito e ter confiança dos seus líderes, CEOs e fundadores quando passa pelos momentos bons e ruins da empresa, quando realmente entende como é trabalhar tanto nas épocas de prosperidade quanto nas de dificuldade.
A psicóloga organizacional Amy Edmondson, em seu trabalho sobre segurança psicológica nas equipes, demonstra que a vulnerabilidade compartilhada durante momentos difíceis cria laços de confiança virtualmente indestrutíveis. É o conhecido “efeito trincheira” — quem enfrentou junto as batalhas mais duras desenvolve uma conexão que transcende as relações profissionais convencionais.
Quando você se compromete verdadeiramente, absorve o DNA da empresa e ganha uma compreensão que nenhum recém-chegado pode ter, independentemente de seu talento ou currículo. Este é o verdadeiro “insider knowledge” que não pode ser comprado, contratado ou adquirido rapidamente — ele precisa ser vivido.
O poder de escolher o que importa
Aquela energia que antes eu desperdiçava em infinitas possibilidades agora está concentrada no que realmente importa. Minha mente está mais clara, meus dias mais produtivos e tenho mais tempo para apreciar a vida ao invés de persegui-la freneticamente.
Percebo como economizo energia mental ao não precisar mais avaliar constantemente se estou no caminho certo. Essa tranquilidade me permitiu aprofundar minhas habilidades e construir algo verdadeiramente significativo. As raízes que antes não podiam crescer agora se aprofundam, nutrindo uma vida e carreira mais sólidas.